domingo, 26 de abril de 2009

PARANOIA URBANA (parte 5ª/6)

(continuação da postagem anterior)
Após o café, Mariana e Valderez regressaram ao trabalho. O serviço arrastou-se com a mesmice costumeira.
Vendo os colegas se levantando, alguns já abandonando o escritório, Mariana cobriu com capas plásticas o terminal de computador que utilizava, guardou os papéis nas gavetas de sua mesa e trancou-as. Despediu-se maquinalmente dos colegas que ainda permaneciam no local e saiu do prédio. Na calçada, sob a marquise, ela constatou que a chuva persistia intensa. Abrindo sua sombrinha de tecido branco, estampada com a foto de um dos mitos atuais do cinema, ela procurou abrir caminho entre os pedestres na calçada, dirigindo-se para o ponto do ônibus que a levaria para casa.
No ponto, a fila estendia-se, comprida, ao abrigo dos toldos de uma padaria. As pessoas pareciam exprimir nos rostos um profundo desânimo. Mariana encostou-se com relutância na parede suja de fuligem. Estava cansada. As luzes das lâmpadas fluorescentes da padaria, incidindo no seu rosto através das portas abertas, acentuavam as minúsculas rugas que já se formavam ao redor dos seus olhos sem brilho.
O ônibus que ela esperava estacionou rente ao meio-fio. Ao sair da proteção dos toldos, seus cabelos se molharam e as suas roupas ficaram encharcadas, por causa da morosidade com que a fila evoluía. Quando chegou sua vez de subir, o ônibus arrancou, mas ela conseguiu agarrar-se ao apoio para as mãos e equilibrar-se precariamente no primeiro degrau. Empurrando violentamente o corpo para a frente, permitiu que a porta se fechasse, evitando uma queda fatal. Aos poucos, ainda assustada, Mariana foi seguindo pelo corredor e passou pela roleta do cobrador. Conseguiu espremer-se entre o grupo de passageiros situados mais à frente. Quase não havia espaço para ela. Estava apertada no meio de um punhado de pessoas que a acotovelavam, pisavam-lhe os pés, transmitiam-lhe a umidade que trouxeram da chuva.
O coletivo seguia pelas ruas alagadas. De repente, Mariana sentiu vários movimentos bruscos ao seu redor e alguém roçou com violência o seu braço esquerdo, onde usava o relógio, no momento em que o ônibus executou uma curva acentuada. Um homem encontrava-se virtualmente colado às suas costas. Ela virou a cabeça, encarando-o, mas o homem não retribuiu ao seu olhar. Ele aparentava observar, distraído, os reflexos brilhantes das luzes externas nas gotas da chuva coladas nos vidros das janelas. Ela olhou então para o seu pulso esquerdo e o seu relógio não estava lá. A raiva instantaneamente a dominou. Atordoada, Mariana retirou da bolsa um canivete e abriu sua lâmina. Contorcendo-se, ficou frente a frente com o homem. Fazendo com que ele visse a arma apontada para sua barriga, ela escancarou a bolsa, e disse-lhe:
— Rápido! Ponha o relógio na minha bolsa, imediatamente!
(continua na próxima postagem)

Nenhum comentário: